João Bértolo

Docente

 

Um arco-íris de sensações

Recebi um convite para escrever algumas palavras sobre o que significa ser professor na escola D. Dinis. Senti-me agraciado, escrever sobre a minha experiência enquanto professor é reviver um marco na história da minha vida.

Antes de me pronunciar do que é ser professor na Escola D. Dinis, é no meu ponto de vista, desejável e imperativo recuar ao final dos anos oitenta do século passado para entender o significado e as transformações que daí eclodiram.

Hoje, com alguma distância dessa referência temporal e dependendo da escala escolhida poderemos verificar que alguns dirão que se trata de uma enormidade de anos, enquanto outros dirão que são uns aninhos, a veracidade vai depender do referencial abordado. Abraçando eu uma outra dimensão, esse tempo surge diluído, como se fosse uma teia, onde me desloco entre as minhas inúmeras memórias, acabando por cair para segundo plano essa noção de tempo, mas se tivermos como ponto de partida o tempo útil de vida de um ser humano e se o contabilizar no na minha perspetiva, sou obrigado a concordar e a afirmar que são muitos, e é esta ambiguidade que tem o condão de transformar esta minha enorme experiência de vida num vaivém que conecta diferentes realidades temporais que me permite afirmar sem rodeios ou hesitações e sem qualquer sombra de dúvidas que a minha iniciação na docência foi um marco na minha vida.

Em 1987, na sequência de uma mudança no meu quotidiano, o ensino surge na minha vida simbolicamente como um acrescento material, mas sempre sentido como hobby. Nos primeiros seis meses de prática letiva em que o início de cada aula era um enorme desafio, como vinha de um curso, onde não há nenhuma preparação prévia para o exercício docente, as minhas primeiras intervenções foram produções criadas a partir da minha vivência, eram imitações feitas a partir das minhas experiências positivas. Senti então, a complexidade do ser professor, o que era estar em sala de aula e o tamanho da responsabilidade que tinha. Com o tempo e a experiência, fui-me apropriando de uma prática pedagógica e parafraseando Paulo Freire “senti-me a estabelecer relações dialógicas de ensino e aprendizagem (muitas vezes com dificuldades), mas também senti que ao ensinar também estava a aprender, estava a propiciar um encontro democrático e afetivo, em que todos podem se expressar”.

Os anos foram contabilizando, mesmo pensando que o ensino era uma ocupação secundária, nunca deixei de sentir prazer nesta atividade praticada nos meus tempos livres. Com o passar dos anos fui-me apercebendo que era a atividade de ser professor que me proporcionava prazer e que, de certa forma, sentia que poderia ser útil e contribuir para a mudança do “mundo” contribuindo diretamente para a transformação social e num ápice a minha atividade secundária passou a ser uma prioridade na minha vida. E sem estranhar, constatei que ser professor era tudo o que eu queria até ao fim da minha vida laboral.

Talvez esta minha “escolha” tenha tido alguma influência da minha adolescência, quando durante alguns (não muitos) fui monitor de colónias de férias, primeiro pelo centro paroquial o qual interrompi para voluntariar-me para a FAP (Força Área Portuguesa) e cumprir o serviço militar e depois pelo FAOJ (Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis – tutelado pelo Ministério da Educação) antes de iniciar os meus estudos no ensino superior. Provavelmente alguma semente terá ficado.

Se tentar descrever algumas das minhas características pessoais, diria que sou pacato, introvertido e parco em conversas e se em simultâneo confrontar estes atributos com a origem da palavra professor  – oriunda do latim e deriva do termo professus, que significa “pessoa que declara em público” e acrescentar a minha patologia – gaguez – que condiciona e muito a minha intervenção pública, pois todos nós sabemos que a fala é o meio privilegiado de acesso à comunicação. Todos nós seríamos levados a dizer que de modo algum a docência seria uma profissão para mim.

Mas, mesmo com a minha arma de persuasão “gripada” o que dificulta o manuseamento da fala em prol de uma reação que queira provocar nos meus interlocutores, o que por si só acarreta frustrações e sentimentos de incapacidade relativamente aos demais. A sala de aula tem o condão de me transformar, mesmo sabendo que por vezes vacilo, a metamorfose é tal que a minha autorregulação emocional permite recriar-me neste ambiente – ser professor – proporcionar momentos em que utilizo o meu conhecimento e a minha experiência para desenvolver contextos pedagógicos com uma enorme hipótese de ensinar e educar, mas também aprender com os meus alunos e nesta troca estou constantemente a renovar as minhas aprendizagens.

A minha viagem na escola D.Dinis que se iniciou em 2003, fui docente do ensino noturno, dei durante anos o meu contributo para a escola, direi num BackOffice onde todos os trabalhos desenvolvidos (no início os sumários eletrónicos – pontapé de saída, atualização que saía à 6ª e na 2ºF todas os PCs do professor teriam de estar atualizados, depois a manutenção de equipamentos) necessários e imprescindíveis ao bom funcionamento da escola, eram invisíveis, não que procurasse a notoriedade, mas constatei que o meu contributo era ignorado pela comunidade e em particular pelo grupo.

Desde 2007 tenho estado em exclusividade para o Agrupamento, já passei por várias experiências, criei uma lista para o Conselho Geral, fui conselheiro desse órgão, já fui coordenador TIC e PTE com assento no Conselho Pedagógico, do qual ainda faço parte agora através da Coordenação do Departamento de Matemática e Ciências Experimentais, faço parte da SAAD, já fui diretor do curso profissional de Gestão e Programação de Sistemas Informáticos, sou o representante disciplinar do grupo de Informática, sou avaliador interno e externo do processo da Avaliação do Desempenho Docente e sou ainda o BackOffice e FrontOffice da Escola Digital com todas as tarefas que daí ocorrem.

Os anos foram passando e ao fim de 35 anos de ensino e 50 de descontos, lembro-me do que foi ser professor nos primórdios em que a única relação com a escola era a sala de aula (que saudades – tinha tanto tempo para mim), o único compromisso diário era cumprir o horário letivo (dar as aulas).

Ser professor hoje é uma tarefa bem difícil, sofre reflexos dos problemas políticos, económicos, tecnológicos, sociais e culturais que mexem com as instituições, envolvem a formação humana e incidem na escola e na forma de organização da atividade docente. É uma atividade que na minha perspetiva é prazerosa, pois necessita de dedicação, e muito, aos estudos, à pesquisa, ao desenvolvimento profissional e aos alunos.

Do docente espera-se que seja mediador da aprendizagem, que participe ativamente do processo de aprender, que incentive a busca de novos saberes, que seja detentor de senso crítico, que conheça profundamente o campo do saber que pretende ensinar, e que seja ainda capaz de produzir novos conhecimentos, por meio da realidade que o circunda.

Mas falava de mim e perdi-me para falar da docência e da sua característica marcante – instabilidade – que face às transformações sociais exigem do docente um repertório cada vez maior de conhecimentos (que proveem de variadas fontes: formação académica, curricular, programas, manuais disciplinares e técnicos, experiências da prática docente e culturais proporcionadas pela trajetória da vida) que faça frente às exigências do mundo globalizado.

Diria que na profissão de docente não chega ser um bom conhecedor do conteúdo programático e das práticas pedagógicas, vai para além disso, é partilhar o saber, gerar informação, é dar mais significado à prática educacional, é estar mais próximo do estudante, é olhar para seus alunos como indivíduos com necessidades diferentes e particulares (é valorizar o ser humano).

É ainda ensinar e educar, mas também aprender com seus alunos e constantemente renovar as suas aprendizagens, é formar pessoas cientes de seus direitos e deveres perante as leis. É passar horas a planear, rever, estudar para preparar apenas alguns minutos de aula. Ser professor é tanta coisa, é desejável que seja paciente, criativo, humilde, carismático, saiba lidar com público, mais acessível

E tudo isto para dizer, que para mim, ser professor, não há volta a dar, é obrigatório ser protagonista do ensino. E para tal é necessário renovar e interagir com os alunos, só desse modo poderemos otimizar o processo de aprendizagem. E sem dúvida que quanto melhor for o desempenho do docente, melhor será o desempenho do aluno.

E além de um inúmero rol de argumentos que cabem na atividade do professor, sempre comparei a docência com as atividades do médico e do sacerdote, pois além de tudo o que referi e o que ficou por referir, eu ser professor é muito mais que exercer uma profissão, é ter vocação, é sentir a missão.

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